quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

São Tomás Becket


Senhor nosso Deus, que destes ao mártir São Tomás Becket  a grandeza de alma que o levou a dar a vida pela justiça, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de saber perder a vida por Cristo neste mundo, para podermos encontrá-la para sempre no Céu. 


Tomás Becket nasceu em Londres no dia 21 de dezembro de 1117, dia de São Tomé, do qual recebeu o nome. De acordo com seus contemporâneos, era de elevada estatura, tez pálida, cabelos negros, nariz aquilino, olhos claros e firmes, que no primeiro olhar davam-se conta de tudo. Jovial, de agradável e cativante conversação, franco no falar, embora gaguejando ligeiramente. Tinha tão grande discernimento e saber, que tornava fáceis e inteligíveis os temas mais difíceis.

Seus biógrafos ressaltam que, já de pequeno, era muito inclinado à piedade, tinha terna devoção a Nossa Senhora e particular amor pelos pobres.
Tendo feito seus estudos em sua terra natal e em Paris, de volta à Inglaterra entrou no serviço do arcebispo Teobaldo de Cantuária, Primaz da Inglaterra. O prelado logo descobriu nele sentido prático dos negócios e prudência, convertendo-o no mais confiável de seus auxiliares.

“Era tão casto que, apesar de mil armadilhas que armaram contra sua pureza, não puderam jamais levá-lo a nenhuma ação desonesta. Tinha tanto candor e sinceridade, que jamais foi ouvido pronunciar uma só mentira, mesmo por mera diversão ou lisonja”.

O arcebispo Teobaldo enviou-o para estudar direito civil e canônico em Bolonha e Auxerre. À sua volta, conferiu-lhe o diaconato e elevou-o a arcediago (dignidade eclesiástica de uma diocese, que confere certos poderes junto aos párocos, curas, abades, etc.) com magnífica remuneração, a qual ele transformava em abundantes esmolas, valendo-lhe o epíteto de pai dos pobres.
Nessa época governava a Inglaterra o jovem rei Henrique II, da família dos Plantagenetas. Esse monarca unia rara inteligência prática a uma grande ambição, forte constituição física e muita força de vontade. Quando o arcebispo louvou diante dele as belas qualidades de seu arcediago, Henrique quis conhecê-lo. Como verdadeiro político, o rei compreendeu logo que havia encontrado um grande estadista em quem o talento aliava-se à fidelidade. Escolheu-o então para seu chanceler, e desse modo Tomás Becket tornou-se, aos 36 anos de idade, a segunda autoridade do reino.

De tal modo o soberano e o chanceler uniram-se, que o povo comentava possuírem um só coração e uma só mente. Ambos tinham em vista a prosperidade do reino, caçavam juntos e juntos iam à guerra, apresentavam-se com fausto e esplendor. Na vida privada Becket era muito ascético, mas publicamente cercava-se de pompa devido à honra de seu cargo. Em 1158, quando viajou à França para negociar um casamento, o fez com grande pompa, e o povo maravilhado dizia:“Se esse é apenas o chanceler, qual não será a glória do rei?”.

Ele se destacava ainda em outros campos: “Jurisconsulto consumado e hábil financista, tão capaz de uma decisão enérgica que requeresse a força armada como de um expediente jurídico, reprimiu a bandidagem, aterrorizou os usurários, favoreceu a agricultura, manteve o padrão da nobreza, reorganizou a justiça, aumentou o prestígio exterior e assegurou a prosperidade e a paz do reino”.

Em 1161, a morte do arcebispo Teobaldo deixou vacante a sé de Cantuária. O rei, que confiava muito na fidelidade de Tomás Becket, julgou que ele seria a pessoa mais segura para zelar pelos seus interesses naquele cargo tão importante. O chanceler foi franco: 
“Senhor, quero que saibais que o favor com que agora me honrais logo se trocará em ódio implacável; porque, tratando-se de coisas eclesiásticas, tendes exigências que eu não poderia tolerar”. 
O rei não o levou a sério e confirmou a eleição, sendo então ordenado sacerdote e sagrado bispo. Renunciou à chancelaria, como incompatível com o múnus episcopal.

“A partir de sua elevação ao episcopado, Tomás Becket entregou-se por completo à vida apostólica. Expiou com a penitência e o silício a moleza de sua anterior conduta. Se bem que se apresentasse com a dignidade e magnificência próprias ao seu elevado cargo, levava em privado a vida e o hábito dos monges beneditinos, conforme às tradições de austeridade que lhe legara o insigne Santo Anselmo, um de seus predecessores na sé primacial de Cantuária”.

Não demorou muito para que começasse a luta entre altar e trono. As causas da frieza que aos poucos se estabeleceu entre rei e arcebispo eram muito profundas. Basta dizer que São Tomás Becket, em encontros com o monarca, defendeu sempre os direitos e os privilégios da Igreja, mesmo com o risco de desagrada-lo. A situação foi se deteriorando entre os dois, chegando ao ponto em que o rei pensou em encarcerá-lo. Disfarçado, ele conseguiu fugir para a França, onde foi bem recebido pelo rei Luís VII e pelo Papa, que se encontrava nesse país.

Henrique II reclamou com o rei francês pela boa acolhida dada ao “ex-arcebispo”. O monarca francês respondeu: “Ex-arcebispo? Quem o depôs? Eu também sou rei, mas não posso depor nem o menor clérigo de meu reino”. E continuou a proteger São Tomás Becket, que se retirou para a abadia de Pontigny, da Ordem de Cister, onde se entregou à oração e à penitência.

Henrique II ameaçou expulsar da Inglaterra todos os cistercienses, caso a abadia de Pontigny continuasse a dar guarida ao santo. Ameaçou também o Papa Alexandre III de colocar-se sob a obediência de um antipapa que o imperador alemão Frederico Barbaroxa acabava de criar, se continuasse a apoiar Tomás Becket. A conselho do Sumo Pontífice, Tomás transferiu-se para o mosteiro beneditino de Santa Columba, onde permaneceu por quatro anos.

Em 1170, pela mediação do Papa e de Luís VII, Henrique II aceitou recebê-lo de volta sem impor nenhuma condição. Mas a situação nunca mais se recompôs. Certo dia o rei, rodeado de cortesãos, exclamou num acesso de cólera: “Malditos sejam aqueles que eu alimento de minha mesa, honro com minha familiaridade e enriqueço com meus benefícios, se não me vingam desse padre que não faz senão perturbar meu coração e despojar meus melhores servidores de suas dignidades!” Essa insinuação ao assassinato foi ouvida por quatro deles, que se comprometeram sob juramento a assassinar o arcebispo.

Na noite de 29 de dezembro de 1170, São Tomás Becket dirigiu-se como de costume à igreja, para as Vésperas. Os assassinos forçaram a porta do claustro e entraram no recinto
sagrado, gritando: 
“Onde está o arcebispo? Onde está o traidor?”.
O santo estava apoiado a uma coluna, e respondeu: 
“Aqui me tendes. Sou o arcebispo, mas não traidor”. 
Um dos quatro facínoras, para fazê-lo sair do templo, gritou-lhe: 
“Salva-te!”. 
Agarrando-se mais fortemente à coluna, ele respondeu: 
“Consuma aqui mesmo teu crime. Mas eu te proíbo, da parte do Todo Poderoso, de maltratar quem quer que seja dos meus”.

O primeiro golpe o atingiu ligeiramente na cabeça, mas quase cortou o braço de um de seus clérigos, que portava a cruz arquiepiscopal. Outro golpe abriu-lhe uma brecha na cabeça, e ele caiu de joelhos banhado em seu sangue, exclamando: 
“Morro voluntariamente pelo nome de Jesus e pela defesa de sua Igreja”. 


Outros golpes se seguiram, e o Santo entregou sua alma a Deus aos 53 anos de idade e nove de episcopado, dos quais dois terços foram passados no desterro.

O hediondo crime horrorizou não só a Inglaterra, mas toda a Europa. Cheio de espanto, o rei encerrou-se em seu palácio, permanecendo sem falar com ninguém durante vários dias. Depois compareceu como peregrino e penitente ante o túmulo do santo, onde se submeteu a severa flagelação diante dos bispos, abades e monges. Passou depois em oração o resto desse dia e a noite seguinte. A conversão de Henrique II foi vista como o primeiro milagre de São Tomás Becket.

A canonização se deu dois anos depois de sua morte. Os milagres operados diante do túmulo foram se multiplicando: doentes, cegos, surdos, mudos, paralíticos, encontravam remédio junto ao corpo do mártir. Num espaço de tempo extraordinariamente breve, a devoção ao arcebispo-mártir difundiu-se por toda a Europa, de maneira a tornar o santuário de São Tomás Becket um dos mais famosos de toda a Idade Média, junto com o de Santiago de Compostela.



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